Oie! Criei essa aba no meu site para compartilhar com você um pouco da minha participação no Desafio Sou de Algodão + Casa de Criadores. Já aviso que gosto de escrever! (rs) Mas se você se interessa pelo assunto ou quer me conhecer melhor, vai adorar descobrir os detalhes. Fique à vontade e boa leitura! 

Intitulada Ruptura e Resgate, a coleção foi criada no contexto do COVID-19 e conta a história de Alih: jovem que viajou no tempo e criou acidentalmente uma ruptura temporal. Esse ambiente utópico e de ficção representa uma fuga das situações caóticas da atualidade e a importância de “viver o agora”, comumente valorizado apenas quando um acontecimento marcante vem à tona. Na falha temporal não existe, por exemplo, uma aparência e estética delimitadora para uma elite ou grupo específico, nela coexistem todos os tipos de pessoas e todos são livres para serem quem quiserem, unindo os códigos visuais de diversas épocas da história sem contextos sociais delimitadores.

A coleção baseia-se na tendência de comportamento de “encasulamento” ou “cocooning”, estudada pelo Faith Popcorn’s Brain Reserve, que fala sobre a necessidade de reclusão social, muito vivenciada durante o momento da pandemia do COVID-19. O contraste dessa reclusão com a necessidade de liberdade do arquétipo explorador de Carl Jung (estudado durante o desenvolvimento da coleção), refletiu nas peças como uma mistura de introspecção e ousadia.

Ei! Vou ficar muito feliz se você ler a história completa! É breve, divertida e contextualiza a coleção como um todo. Ela é o ÚLTIMO TÓPICO dessa página.

Entre os séculos XV a XVIII em períodos como a renascença, barroco e rococó, as mangas bufantes, saias e peças volumosas eram símbolos do poder de quem as estivesse usando. Fiz questão de colocar essas características nas peças para fazer uma metáfora com a acessibilidade à moda na atualidade. Se antes existiam códigos estéticos exclusivos da realeza, agora todos podem utilizá-los e apropriar-se desse poder. Nada mais justo do que tornar horizontal algo que antes era hierárquico para criticar um sistema que ainda é excludente e limitador.

Durante o Diretório e Império (séc. XVIII e XIX) com o ideal de beleza neoclássico, a moda perdeu o exagero. Mas após esse período as mulheres voltaram a usar muito volume, principalmente nas saias, enquanto as roupas masculinas se simplificavam e começaram a caminhar para a alfaiataria que conhecemos hoje. A elegância e poder da imagem masculina passou a estar nos ternos de silhueta esguia com ombros em destaque da estética “dândi”, características que tive o cuidado de utilizar nas peças também. Na coleção trabalhei em unir símbolos da alfaiataria (que possui contexto histórico com forte peso na nobreza) com o streetwear (que tem raízes na contracultura), para fazer a provocação de que a moda é para todos e também os seus códigos de poder.

Portanto, as mangas enormes, volumes e silhuetas exageradas, ou qualquer outra característica marcante da coleção, não estão ali por acaso. A união das diferentes épocas do storytelling que desenvolvi fez com que a criação das roupas fosse influenciada por referências históricas e contemporâneas aliadas ao meu olhar artístico, o que resultou em uma estética autêntica e singular.

As calças entraram no universo das mulheres pela necessidade econômica de trabalharem enquanto os homens estavam em combate nas guerras mundiais, se tornaram um item essencial do guarda roupa feminino apenas na década de 50 e 60. No entanto, a luta começou muito tempo antes com o bloomer, traje criado por Amélia Bloomer em 1850 como forma de protesto a moda que limitava as mulheres.

Para a coleção criei calças "saruel" propositalmente exageradas que fazem referência a esse traje. Os bloomers eram compostos por espartilho e uma espécie de saia-calça, que apesar de ter causado revolta foi lentamente aceito pela sociedade da época. Esse foi o primeiro esboço do uso de calça por parte das mulheres. Utilizei essa referência na coleção como provocação em 2 looks:

 

1. Em um deles uma mulher veste a peça pois a figura feminina destaca o símbolo que a calça se tornou na luta pela igualdade de gênero. A grande abertura frontal, ao mesmo tempo que gera a sensação de aprisionamento, também transmite irreverência e libertação. Ela remete aos espartilhos que limitaram as mulheres durante momentos da história, mas também faz alusão à liberdade feminina por ser ousada e reveladora, posicionada ao centro da peça. 

 

2. Na outra proposta, a calça é usada junto a uma blusa de mangas gigantes para criar, propositalmente, uma ideia visual de "Rei" a um homem negro, subvertendo a expectativa eurocentrista de uma estética que remete à realeza. Além disso, esse look brinca com as barreiras de gênero, pois a calça propõe uma silhueta proveniente do vestuário feminino.

Eu AMO bolsos! Talvez você tenha reparado isso nas peças que lanço por aqui. Considero eles, parte forte da identidade da minha marca e isso não é de hoje. Desde o meu TCC o bolso possui um significado forte pra mim, além de deixar meus olhos brilhando pela estética em si.

Os bolsos são elementos comuns para as peças dos homens desde 1600, mas pouco presentes nas roupas femininas na maior parte da história. Os bolsos são elementos que simbolizam a praticidade; são utilitários e ótimos para guardar objetos. Ao olhar para trás na história da moda sabe-se que a praticidade e conforto demoraram para serem características não apenas das roupas dos homens.

Por conta de sua carga histórica e de seu caráter prático, os bolsos são para mim símbolo de empoderamento. Fazem parte de minha identidade criativa como designer principalmente por eu me basear muito no streetwear e estão presentes não apenas nessa coleção, mas em muitas de minhas criações.   

Desde muito nova tenho um contato muito direto com a arte e o trabalho manual. Sempre gostei de desenhar, pintar e aprender novas técnicas criativas. No Desafio optei por utilizar o tecido brim, um material que eu já conhecia, mas que ainda não havia tido a oportunidade de explorar com tanta liberdade criativa. Por meio de minhas pinturas manuais deixei fluir meu eu artístico em imagens que retratam momentos da história e alinham-se ao conceito da coleção, o que gerou, na passarela, um efeito de obras de arte ambulantes. Obras essas que podem gerar uma série de interpretações, positivas e negativas, mas como a arte não é feita para agradar a todos, isso não seria diferente com minha coleção

 

Desde o início minha intenção era apresentar algo icônico, diferente de tudo que já tinha sido visto. Não necessariamente dando afago a todos os olhares, mas apresentando sem dúvida nenhuma, AUTENTICIDADE.

Os desenhos de todas as peças foram planejados nos croquis antes de suas produções, mas como a arte é inconstante, fluída e livre de regras, como era de se esperar, ocorreram algumas mudanças no caminho. Isso resultou em algo visceral que realmente veio de dentro de mim. O algodão foi a minha tela e eu não pintei simplesmente por que tinha que entregar um produto final, eu pintei porque isso era latente em mim no momento e fui inundada por aquela sensação gostosa de externalizar algo forte dentro de mim e ao mesmo tempo estar “em casa”. Não poderia existir um material melhor para ser a base de uma coleção que fez eu me conhecer mais como designer, como artista, e como ser humano.

Pouco depois da revelação dos finalistas fomos acompanhados por Dudu Bertholini (stylist oficial da edição) para alinhar tudo em relação a “imagem” dos nossos desfiles no que diz respeito a acessórios, maquiagem, calçados e tudo relacionado a experiência que queríamos proporcionar. Nos auxiliou sem medir esforços e nos ajudou a fazer acontecer conforme o que planejamos, mas com aquele “toque especial”.

Tivemos também uma música/trilha produzida exclusivamente para cada designer participante. Pudemos pontuar o que queríamos e a produtora garantiu que cada trilha sonora transmitisse a atmosfera buscada pelo respectivo designer.

Com intermédio e apoio da equipe do concurso pudemos também escolher o casting para nossos desfiles entre uma grande variedade de incríveis modelos. Busquei escolher diferentes perfis pois acredito que a beleza está na diversidade e em uma coleção com um conceito como o meu, isso era muito importante. Nenhuma escolha foi por acaso e fiquei feliz demais com o desfile final, meus modelos arrasaram <3

A viagem para São Paulo, estadia, provas, ajustes e ensaios foram muito bem guiados e amparados pela organização, o que nos garantiu um suporte muito satisfatório do início ao fim. Sem contar que o backstage do desfile é uma junção de profissionais incríveis que tive o prazer de conhecer e trabalhar junto, conheci muita gente incrível e isso enriqueceu ainda mais a experiência.

Por fim, todos nós finalistas contamos com diversas aulas/mentorias online sobre temas importantes que nos auxiliam a ingressar na indústria com repertório e conhecimento mais vasto.

O Desafio Sou de Algodão + Casa de Criadores é um concurso que fomenta a moda autoral, a indústria do vestuário brasileiro, valoriza as empresas parceiras, incentiva o uso do algodão certificado e estimula a produção e o consumo de uma moda mais sustentável. Quando participei não tive a estrutura ideal para que tudo fosse “perfeito”, mas essa dificuldade foi o que fez eu me desenvolver tanto como profissional em um curto período. Minha participação me mostrou que mesmo não tendo ganhado o 1º lugar, talento aliado à disciplina e constância podem gerar grandes frutos.

Alih é jovem e possui espírito curioso. Qualquer novidade à sua volta chama sua atenção, seja enquanto entra em contato com a natureza ou mesmo durante sua rotina corrida na cidade grande em que mora. Alih possui dentro de si um anseio por detalhes, uma sede de significado, e está sempre em busca de respostas. Nem sempre suas perguntas são respondidas, mas o prazer está no processo da procura. Com alma exploradora e inquieta, cada dia é uma aventura que escreve pouco a pouco sua história. História, na verdade, é uma das coisas que mais desperta seu interesse, pois sabe que cada momento passado foi, um dia, uma novidade.

Em certo ponto de sua vida, Alih vivenciou um momento histórico, mas não foi assim tão empolgante quanto os devaneios que tinha na infância durante as aulas de história da Sra. Beth. O acontecimento foi um caos pandêmico, um momento tão difícil a ponto de causar consequências graves no mundo todo e uma das formas de proteção ser o afastamento social. Essa reclusão causou não apenas em Alih, mas em grande parte da humanidade, um sentimento de introspecção, reflexão e nostalgia:

– Sinto saudade de momentos que antes eram irrelevantes. Saudade de dias que pareciam muito piores do que realmente eram. Saudade da liberdade. Se eu pudesse, viajaria no tempo, buscaria as memórias boas de cada época e traria para o hoje...

E para a surpresa de Alih, foi como se o universo tivesse escutado sua fala. Talvez até, de uma forma literal demais.

Era manhã de sábado. O céu estava azul, sem nuvens. Alih estava apenas em sua própria companhia passando o fim de semana no sítio da família, para descansar dos dias intensos de home office. Fechou os olhos e, de pés descalços, pisou na grama pela primeira vez em muito tempo. Assim que deu o primeiro passo era como se todas as memórias viessem à tona misturando sentimentos, sons, aromas, formas e cores...transformando seus sentidos em intermédios de sinestesia. Continuou caminhando, respirando fundo e apreciando a paisagem até que percebeu um brilho em meio à grama, algo como um pequeno objeto que refletia a luz.

Ao aproximar-se notou que se tratava de uma chave que parecia ter saído de um filme antigo. Olhou em volta instintivamente, mas não encontrou nenhuma residência ou construção que pudessem explicar aquela chave no meio do nada.

Alih pegou a chave e, no instante em que a tocou, uma imensa porta de madeira com arabescos surgiu em sua frente. Não acreditou no que viu e no que acabara de acontecer. Apesar da porta não parecer levar a lugar nenhum – pois não haviam paredes –, pensou em fazer o que qualquer ser humano desprovido de sã consciência faria; abrir a porta com a chave misteriosa.

Após alguns milissegundos receosos, encaixou a chave e a girou lentamente...No exato momento em que a chave abriu a porta, tudo ficou escuro e uma forte pressão puxou Alih para dentro; ZUUMMP! Queda livre. Em meio a uma sensação sufocante e igualmente libertadora, sentiu como se seu corpo não tivesse peso algum e em um piscar de olhos se viu em um lugar diferente:

– O QUÊ?! A porta me teletransportou?! Onde eu estou? O que eu faço? Pensou, em desespero.

As pessoas do lugar usavam calças de cintura alta, cabelos volumosos, shorts curtos e peças, em geral, coloridas, o que era muito parecido com o que Alih via as pessoas vestirem normalmente. Na tentativa de se localizar e voltar para casa, imediatamente pensou em usar seu celular, que estava esse tempo todo no bolso de sua calça. Mas ele não funcionava. Então, pediu emprestado o de algumas pessoas explicando que havia se perdido e precisava fazer uma ligação, usar alguma rede social ou mesmo utilizar um aplicativo de transporte. Percebendo os olhares confusos e amedrontados que recebia ao dizer tudo isso, concluiu:

- Eu não mudei apenas de local geográfico..., mas também, temporal!

Aqueles eram os anos 80.

Percebendo que seria difícil voltar para sua realidade, Alih notou o quanto essa experiência poderia ser proveitosa e rendeu-se à exploração da novidade que surgiu a frente de seus olhos. Conheceu lugares, pessoas, artistas famosos da época e percebeu o quanto a sociedade evoluiu ao longo do tempo. Porém, para seu alívio, antes mesmo de pensar em onde iria passar a noite, Alih avistou um restaurante abandonado cujo a porta principal era idêntica à que foi aberta pela chave que encontrou. Sem nada a perder, foi correndo testar e o que queria, aconteceu: a porta abriu e a viagem temporal aconteceu novamente.

Com muita esperança de estar de volta para sua época, iria procurar algo ou alguém que tirasse sua dúvida, mas antes que fosse possível, percebeu que se encontrava em um gigantesco palácio luxuoso. Em meio a exuberância do local, uma figura feminina chamou sua atenção:

– Mas o que está acontec...ESSA É A RAINHA MARIA ANTONIETA? Surpreendeu-se.

Alih estava em 1780. Por sua sorte, logo avistou a porta e pôde tentar voltar para casa novamente. No entanto, não foi assim tão simples. Alih viajou de novo. E de novo. E de novo. Visitou muitas épocas diferentes e presenciou barroco, renascença, era imperial, viu Enrique VIII, Luís XIV, Madame de Pompadour... Visualizou as riquezas da realeza e as lutas de seus subordinados, além das dificuldades de quem não estava nem próximo das posições de destaque. Transitou também entre os muitos momentos dos anos 40, 50, 70, 90...

Durante toda essa trajetória visualizou culturas distintas e realidades completamente diferentes da sua, percebeu que os contextos sociais eram outros e, consequentemente, a moda. Apesar de ter sido uma experiência assustadora, foi também muito, mas muito, enriquecedor.

Alih encontrou a porta novamente e achou que naquela tentativa daria certo, mas o grande objeto de madeira quis lhe dar uma última aventura antes que voltasse para casa. A porta lhe concedeu mais uma viagem, porém, Alih notou que dessa vez a realidade era diferente de TUDO que já tinha visto. Aquela definitivamente ainda não era a sua época, mas também não era o passado. Foi então que percebeu:

– Eu estou em uma falha temporal...um encontro de todas as épocas... Cochicou em estado de choque.

A quantidade das viagens feitas e a rapidez em que foram realizadas, desgastaram o sistema e geraram uma ruptura, uma falha. Mas, surpreendentemente, Alih gostou do que viu. A falha temporal era como uma nova dimensão criada por Alih: um local artístico onde estavam as características dos tempos mais antigos até os mais contemporâneos. Tudo era horizontal e aberto, as pessoas vestiam-se e expressavam-se da forma que queriam sem a limitação de identificadores sociais. O local era um poço de arte e memórias que, com a junção de elementos passados com os do presente, colocava em colapso os conceitos sociais antigos que já não fazem sentido atualmente. Era um local para descansar as angústias do mundo real. Um local para libertar e resgatar sentimentos.

Alih havia encontrado seu refúgio em meio ao caos.

 

Por: Thays Veronez